quantas letras bastam para minar as estradas de um império?
quantos passos dados desviam os rios dos grandes desertos?
só a necessidade diz quão cruel, quão desnudo se é
sob os céus de quantas bocas que evitam a palavra impura
a potência
que exato agora se espalha – vida na lama, desejo na bílis
rio como quem planta bombas
sob a própria pele e sabe
para implodir impérios e nilos não basta soprar
é preciso morder
o chão com os pés
vibram passos a cada letra que grafo como raio
ganho o espaço e rasgo o regaço da terra
rompida a beleza circular do mito
minto os homens que sou
sob os nomes das cobras que crio e grito
subcutânea-
mente
cobras africanas, anfíbias, cortando o mar, parindo ninhadas, desterros futuros
riscam hoje os chãos com seu destilado veneno
e perguntam:
quantas letras bastam para minar as estradas de um império?
quantos passos dados desviam os rios dos grandes desertos?
[do livro inédito Trabalhos do corpo]