Eugênio de Andrade, um dos maiores poetas portugueses do século XX, tem uma antologia publicada no Brasil em 1999, pela Nova Fronteira.
O poema abaixo, do segundo livro, As mãos e os frutos, de 1948, é para mim de uma delicadeza e simplicidade esplendorosas. Notem a musicalidade dos versos, o anti-romantismo do primeiro verso e a presença do culto ao corpo, sua animalidade, seu sensorialismo, sensualismo e seu contato com uma natureza em que se funde o próprio ser amado.
Uma aula de celebração da vida.
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Não canto porque sonho.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
o teu sorriso puro,
a tua graça animal.
Canto porque és real.
Canto o teu olhar maduro,
o teu sorriso puro,
a tua graça animal.
Canto porque sou homem.
Se não cantasse seria
o mesmo bicho sadio
embriagado na alegria
da tua vinha sem vinho.
Canto porque o amor apetece.
Porque o feno amadurece
nos teus braços deslumbrados.
Porque o meu corpo estremece
por vê-los nus e suados.