
O seu jardim e rio tornara-se um lugar repleto de casas, com ar de cidade, por uma tarde. Observava-a através da vidraça, preferindo olhar o céu subitamente ocupado pelos telhados. Naquele céu se tranformara o rio em que os remos do barco de São joão da Cruz batiam. O mito do Eterno Retorno. Esvaia-se-lhe as memória como se fosse velha. Ou estivesse prtestes a aceder a uma outra vida, com novas recordações a formarem-se. Os saberes que aprendera laboriosamente na adolescência abandonavam-na discretamente, sem deixar rasto. Não tinha pena, nem sentia necessidade deles. Reparou então que devia escrever, técnica de que ainda se lemebrava, o que pensava. A mesma ou outra. Morria, mas metamorfoseava-se, tomava uma transitória forma absurda, passajada pela nova memória. Compreendi que nenhuma meditação,
nenhum texto, me serviriam além da minha própra escrita.
[de O livro das comunidades, Porto, Afrontamento, 1977. É uma pena que nenhum dos livros de Maria Gabriela Llansol tenha sido publicado no Brasil. Seu texto é esplendoroso. Quebra de gêneros, subjetividades, tempos e espaços, mas sem vanguardismos. A senha é experimentar uma escrita tão livre quanto a vida pode ser]
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