A RAZÃO NÔMADE

Os pastores são unanimemente acusados de independentes, pouco controláveis, pouco dóceis, pouco respeitadores das autoridades, turbulentos, bandidos, preguiçosos, avessos tanto aos trabalhos agrícolas como ao trabalho assalariado e público, rebeldes à escolarização, vítimas de arcaísmo cultural, de estagnação e de imobilismo, e, sobretudo, estão sempre prontos para roubar gados. (…) a mobilidade pode facilmente ser entendida como um factor de perturbação para os interesses das comunidades fixadas, agricultores na sua maioria legitimamente ciosos do controle absoluto sobre a terra que os mantém e os justifica. Acresce que os pastores de animais de grande porte de África que mais de perto nos podem interessar são, de uma maneira geral, embora em maior ou menor grau, também povos mais ou menos guerreiros ou que preservam traços culturais, logo comportamentais, de uma vocação e de uma capacidade guerreiras. (…) Na cabeça de um pastor, assim culturalmente modelado, esta circulação de animais corresponde a uma razão, a uma racionalidade, a uma lógica que não a situa tanto como uma articulação de roubos quanto como uma dinâmica de equilíbrio, ou até de reciprocidade, se quiseres. E é isto, sobretudo, esta lógica pastorial, que os sedentarizados temem.

[Ruy Duarte de Carvalho, poeta, escritor e antropólogo angolano, no romance-estudo Vou lá visitar pastores, sobre o povo Kuvale, do sul de Angola. RJ, Gryphus, 2000, P. 26-7]

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