
Assistindo ao imperdível documentário “Simonal – ninguém sabe o duro que dei”, penso no Brasil como um beco sem saída. A trajetória do cantor me soôu ao longo da exibição como uma crônica das virtudes-vícios deste nosso Patropi. Típico quase-cidadão brasileiro, Simonal ascende à condição de ídolo pop das multidões, performer à serviço do seu talento ímpar (é só ver sua deliciosa
performance com Sarah Vaughan), da indústria do entretenimento e de outras. Sai da pobreza com os rios de dinheiro que ganha, passa a ter prestígio, algum poder e ignora voluntária e soberbamente a situação política do país pós-64. Por de fato ser o rei da cocada preta, não apenas se achar, segundo Chico Anísio, ele pensou que tudo podia e quis “fazer justiça com as próprias mãos”. Pediu ajuda a agentes do DOPS para resolver um problema pessoal e se ferrou com a esquerda, a
imprensa e a classe artística. Essas, por sua vez, no seu gesto tradicionalmente messiânico e salvacionista (que, redentoras, ainda possuem) do Patropi, jogam-no na lata do lixo com formas dignas de Stalin (as violentíssimas charges de Henfil em O Pasquim). Típica atitude de um país de extremos econômicos, sociais e políticos, cujo “barroco” a que tanto gostam de aludir não é o da confusão nem o da mistura, mas o da verdade absolutista do barroco setecentista. Culpado e vítima ao mesmo tempo e pelo mesmo gesto, Simonal é o Brasil – cheio de suingue e vazio de moral.