Extasia-me caminhar. E fascina o quanto isso me recorda o escrever. Traçar linhas pelas pautas da página (toda página, mesmo as brancas, como um palimpsesto, possui pautas) e passos pelas calçadas das ruas. Recordar, escolher, desenvolver, organizar, desorganizar, saltar, recuar, citar, seguir, sentir, memorizar, fechar os olhos, abri-los, esbarrar, desviar-se, ultrapassar, acelerar, correr, passear, frear, retomar, parar. Descansar. Viajar. Derivar. Ambas as práticas permitem a ordenação da memória e da inteligência. Ambas aguçam a sensibilidade física. Ambas requerem atenção. — Imagem no meu palco mental: sábado à tarde. Sol. Escrever e ir para a rua. Uma surpresa a cada momento. Perigo, prazer e premonição. Ou o oposto. Depois de longa caminhada, sentar à cadeira e escrever. Fala-se muito do escritor no gabinete. O carro tornou-se um gabinete. Dirigir embota os sentidos e alimenta uma espécie de analfabetismo do corpo. Fraqueza. Doença é quando o nível de saúde cai bruscamente e o corpo força a parada, sobrecarregado. Respiração, órgãos, veias, artérias, memória, sentidos. Nosso corpo social está fraco. Precisamos escrever mais criativa e livremente, abandonar modelos burocráticos. Comunicativos. Ruidosos. A moralização da escrita está no sentido que comunica uma funcionalidade que transcende o ato. Este, sim, saudável. Este, sim, verdadeiramente flâneur. O escritor deve amar a rua com quem ama um corpo amado. Rimbaud, Rousseau, João do Rio, Aristóteles, Kant, Pessoa, Beatniks, Nietzsche, Baudelaire, Ruy Duarte. Escritores andarilhos. Escritores fortes. Corpos buscando saúde.