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É preciso passar por isso para saber como o desespero persegue a gente, atravessando as tripas e chegando até ao coração…
Muitas vezes, eu encontro, agora, uns desgraçados reclamando da vida… São idiotas, sem horizontes, colegas humildes, fracassados… Uns veados! A revolta deles não muda nada… é infundada… Uma chorumela…
Não sei de onde ela vem… talvez, quem sabe, do Ginásio… Mas é conversa fiada, que o vento leva. O verdadeiro ódio vem lá do fundo, vem da mocidade perdida no trabalho ingrato. Este, sim, é um sentimento que mata. É tão enraizado que dura o resto da vida, derramando seu veneno sobre a terra, crescendo entre mortos, entre os homens.
Todas as noites, quando eu chegava em casa, a velha me perguntava se eu já tinha sido despedido… Estava sempre à espera do pior. Na hora da sopa, tocava-se de novo no assunto, que era inesgotável! Quando é que eu ia, enfim, ganhar a vida?…
De tanto ouvir falar naquilo, o pão tinha-se transformado em uma obsessão para mim. Não tinha mais coragem para pedir um pouco mais. Engolia depressa, para acabar logo. Minha mãe também comia às carreiras mas, mesmo assim, se irritava comigo:
“Ferdinand! Você quer mais?! Você nem está vendo o que come! Engole tudo sem mastigar! Parece um cachorro! Deixe ver com que cara você está! Veja só! Você está transparente! Verde!… Como é que a comida pode fazer-lhe bem? A gente faz o que pode, mas você põe a comida fora!”
[Morte a crédito, p. 137-8]
Que vontade de ódio!!!