
adília abre o coração e entrega-se desbragadamente à primeira palavra que lhe vem à boca sem nem pensar no quão louca poderia parecer e ser (e de fato é) aos olhos e ouvidos de todos que a rodeiam ou permanecem à distância: amo. mas algo escapa aos curiosos que a observam pelo canto do olho: notam que reconhecem apenas em parte o que ela diz, apenas em parte o que ouvem, falta-lhes a arte que ela domina (arte da piscadela). e ao mesmo tempo não lhes falta nada. está tudo lá. ela ama com todas as letras. e eles reconhecem seus amores assumidos entre o prazer e a dor, entre o chá e o café, entre o corte e a costura, entre o quarto e a cozinha, entre arima e a rima, entre o sachê e o clichê. amores que fazem dela perita em equilibrar pratos em palcos e picadeiros. amores ridículos. são cartas endereçadas a todos os corações desarmados, e ao seu próprio também. que traz à mão. na ponta dos dedos. na ponta do lápis. embalsamado e pulsante. plastificado e pronto para tocar o mundo real. abismo é para ela apenas uma palavra. mas que fere a pele.