André Breton, o “líder” do Surrealismo, escreveu em seu romance Nadja:
“Gostaria de ver a crítica renunciando, é certo, às suas prerrogativas mais caras, mas propondo-se, para tudo abranger, um objetivo menos inútil do que a revisão inteiramente mecânica das ideias, limitar-se a incursões eruditas no que supõe ser o mais interdito de todos os domínios, ou seja, nas exterioridades da obra, ali onde a pessoa do autor, exposto aos fatos banais da vida cotidiana, exprime-se com toda independência, não raro de maneira diversa” (página 13 da edição pela Imago).
Diante dessa proposta de Breton, penso que a crítica contemporânea da cultura é cada vez mais surrealista do que realista, mais inverossímil do que verossímil nas relações entre texto e “exterioridades da obra”. Não acho esse surrealismo crítico ruim, sem qualquer ironia. Uma crítica desse tipo, que queira se passar por verossímil, ou tem a força articuladora e argumentativa de alguns pensadores que não citarei aqui, ou é efetivamente uma crítica ilógica e inverossímil, isto é: surreal, assim como Breton propõe para seu livro. Mas como vivemos mergulhados em bolhas ilusórias de sentido, bolhas que constroem lógicas coletivas autônomas, mas que se arrogam condições de criticar outras bolhas, acho que não teremos capacidade de ler obras e vidas tomando-as por inverossímeis, carentes de lógica
Mas podemos mudar as convenções de realidade e passarmos a ver e organizar nossos mundos por critérios menos lógicos e mais surreais. Vocês me diriam que ele já é surreal o bastante, no entanto ainda nos esforçamos pouco em deixar de vê-lo como verossímil, como consertável, como potencialmente lógico, ainda somos tímidos e ambicionamos impor a ele, mundo, e aos outros uma ordem, lógica e verossimilhança qualquer em nome da “verdade” e “justiça”. É preciso não lamentar o surrealismo da atualidade, mas acolhê-lo e acelerá-lo cada vez mais em nossas vidas cotidianas. Só assim a crítica da cultura contemporânea – como delineada por Breton e exercitada nas Redes Sociais – fará sentido.