Lá pelas tantas, no seu pós-épico Uma viagem à Índia, deparo-me com a seguinte estrofe de Gonçalo M. Tavares, como que a continuar o que escrevi em outro lugar:
Abandonando a ironia e falando seriamente:
há uma certa angústia nos homens que já se viram nus
ao lado de outros humanos.
E isto porque aí se percebe com intensidade forte (e brutal)
como um homem é coisa distinta e, portanto, inimiga
de qualquer outro. Foi a roupa que inventou a compaixão
(e provalmente a simpatia). Nus, os homens odeiam-se,
ou quando muito excitam-se; vestidos, pelo contrário,
fingem que ser da mesma espécie é mais importante que não ser
[o mesmo corpo.
[Gonçalo M. Tavares. Uma viagem à Índia – I,106]
***
A inibição ante a gratuidade de uma nudez. Signo que sustenta a ilusão de uma vida demasiado crente na verdade da troca, da comunicação, das escolhas e da igualdade que mercado diz nos dar. Nenhuma roupa é capaz de nos igualar se estamos “demasiadamente vestidos”, como diz Eduardo White. Por isso a nudez. Por isso o vazio da leitura de poesia. Para nos lembrar, pela angústia, de confrontar a ilusão da liberdade e praticarmos a “extrema e difícil dialética lírica” que Hilda Hilst exercita em Do desejo. Eros é um poeta com duas faces. Sua palavra é simultaneamente o dito e o interdito, o ódio e o amor. A nudez ensina a ética do desejo, assim como a poesia. Ambas também ensinam a responsabilidade pelas próprias escolhas, isto é, pelas próprias palavras. Diante disso está o medo que adoramos vestir para não nos vermos a sós diante do espelho. Como suportar a vaziez?