DOIS POEMAS ANTIFASCISTAS

Réquiem para Pier Paolo Pasolini

Eu pouco sei de ti mas este crime
torna a morte ainda mais insuportável.
Era novembro, devia fazer frio, mas tu
já nem o ar sentias, o próprio sexo
que sempre fora fonte agora apunhalado.
Um poeta, mesmo solar como tu, na terra
é pouca coisa: uma navalha, o rumor
de abril podem matá-lo – amanhece,
os primeiros autocarros já passaram,
as fábricas abrem os portões, os jornais
anunciam greves, repressão, dois mortos na primeira
página, o sangue apodrece ou brilhará
ao sol, se o sol vier, no meio das ervas.
O assassino, esse seguirá dia após dia
a insultar o amargo coração da vida;
no tribunal insinuará que respondera apenas
a uma agressão (moral) com outra agressão,
como se alguém ignorasse, exceto claro
os meretíssimos juízes, que as putas desta espécie
confundem moral com o próprio cu.

O roubo chega e sobra excelentíssimos senhores
como móbil de um crime que os fascistas,
e não só os de Salò, não se importariam de assinar.
Seja qual for a razão, e muitas há,
que o Capital a Igreja e a Polícia
de mãos dadas estão sempre prontos a justificar,
Pier Paolo Pasolini está morto.
A farsa, a nojenta farsa, essa continua.

[Eugénio de Andrade]

A cabeça de arcaifaz(sismo)

Localização fonética:
A cabeça: onde cabe a eça.
Populismo: cabe eça agora!
De arcaifaz (sismo): o ar (que) cai,
faz (produz) sismo.
Faz sismo: o ar cai.
Caído o ar, fica caifazcismo,
o que dá cai, dá sismo,
e retira o ar que caiu.
Por isso se diz
que não há ar
onde há alguém que faz sismo,
podendo no entanto
sufixismar-se o prefixo,
o que dará a caifazcimação,
sublimação da cisma que caifaz.

[Mario Cesariny]