Desisto! Noticiário e indignação têm bloqueado no Brasil, respectivamente, história e pensamento. É o que deduzo de uma crônica muito presente nos últimos dias, do escritor carioca Anderson França, chamada “Silêncio sobre Alvim reinou entre pessoal do sertanejo, axé e pagode”. Ela circulava por meus monitores, mas eu adiava a leitura. Até que a fiz. Nela, França cobra dos “artistas” mais populares do Brasil alguma manifestação diante do vídeo do nosso Goebbels tropicaos.
O que dizer da cobrança de Anderson (que, segundo soube, é só a parte que vejo do que rola nas redes onde não estou), se colocarmos em perspectiva histórica a óbvia despolitização de “artistas” como Thiaguinho, Maiara e Maraísa, Ivete Sangalo, Anitta, Whindersson Nunes e Kéfera? Não é preciso ir longe nessa perspectivação. Basta recuarmos até o início do século XXI e à ascensão da “nova classe média” para lembrarmos (aqueles que não tiveram a memória deletada pela intencional aceleração informacional das redes) que grande parte desses gêneros, estrelas e dos seus fãs tornaram-se quem são no grande caldo de “inclusão” na lógica da cultura de consumo. Cobrar deles pelo que não dizem é, no caso, o mesmo que não cobrar pelo que fazem, que é entreter com excelência, ganhar e dar à indústria cultural seu quinhão nesse pedaço dos incluídos. Pois o que fazem tão bem é resultado justamente do processo de inclusão tal como se deu. Boa parte deles, e de outros, é fruto da “inclusão” – tal como se deu, repito.
Ocorre que a despolitização desses “artistas” vem da absoluta despolitização do processo de inclusão da gigantesca parcela da população brasileira no circuito de cultura massiva de consumo. Que aliás não é, nunca foi nem nunca será uma cultura política (apesar de Nestor Garcia Canclini). O sertanejo que Anderson romantiza dizendo nascer “com o homem do campo”, a axé que teria nascido “com o povo negro oprimido” e o pagode, “nas rodas de partido alto nos subúrbio do Rio de Janeiro” sempre foram apenas isso enquanto música massiva, produzida e consumida pela “nova classe média”: entretenimento despolitizado. Politica e sociedade nunca podem ser reduzidos ao mercado, apesar de estarem sendo assim tratados por todos cada vez mais. Anderson nem cita o principal fruto dessa inclusão, o funk, filhote mais novo de um processo que vem desde os anos 1980 (sim: os da redemocratização!!) e chega ao ápice no governo Lula.
Mas a “inclusão” dessa “nova classe média” aconteceu justamente através desse tipo de romantização despolitizada. Esse processo é que precisa ser lembrado e corrigido (se a esquerda tomar jeito). Foi ele que criou esses artistas desengajados, seus fãs incluidões no mercado e os eleitores do Médici de chinelos que hoje temos no poder.