Segura minha mão, Roberto Piva, pois meus contemporâneos caíram de amores pela Lei e trabalham diuturnamente por punições que não no próprio lombo, mas sabemos que o Poder exercido anseia secretamente um Poder sofrido – queda de braço de quem deseja penetrar ou ser penetrado pelo aço do cassetete policial, do martelo judicial, do espadim de pelotão - tesão interdito, uivo envergonhado de quem transfere para a política a trepada reprimida, o crime inassumível, a loucura medicada. Segura minha mão, ó poeta das travessias, pedagogo da liberdade dos sem amparo, morrestes solitário e depauperado, mas jamais prostituído pelos cálculos publicitários de qualquer rede – tu, o antissocial o antiburguês o antipolítico; apenas pelo prazer de enrabar professores e outros doutores que te pagavam para que lhes ensinasse a dor prazerosa, mas também deixava-se enrabar por carinhosos mendigos que te ensinavam a potência de uma vida menor. Violavas a todos: idosos e idosas, fascistas e socialistas, falsas crianças incapazes de brincar macunaimicamente. Não respeitavas ninguém, nem mesmo a poesia que te deu a vida de deboche contra os códigos de comportamento – códigos legais, morais, políticos, poéticos; perseguias só a liberdade livre, como se persegue o prazer de um crime de lesa-pátria, crime contra natura, crime da carne quente à flor da pele. Escrevo-te agora, Piva, pois meus contemporâneos – acusadores profissionais – amam ser policiais plantando flagrantes para quem solta pipa no céu do inferno, esquecem-se que horror é haver uma Lei, que prazer é fodê-la bem forte, que morte é encarná-la, eu – que me tornei pai e professor simultaneamente, mas hoje peido nas narinas do mundo, uso esse corpete que me aperta o peito contra mim mesmo, sufoca a garganta, tranca o sexo, estica a coluna, bloqueia a kundalini para encarcerar minha mente sadia de tanta vida viciada em vento soprando brisa desde a barra da baía. Esses meus contemporâneos anseiam uma transgressão que liberte, mas esquecem que transgressão é desde sempre já livre em ato inútil, desde que cometido como quem come e é comido por puro prazer sem finalidade, e não há nada além da transgressão, nenhuma salvação ou condenação à espreita do desejo sem moral – pois tu escolheste o mal, o abjeto, o apodrecido que há em todos nós – livres do desejo de justiça, de vingança, de ódio, pois ensinastes que sexo é anomia dominante, anomalia política, poesia das garras, enquanto justiça na vida é como pureza engasgada por janelas de claustros anêmicos. Que vivam contigo, Piva amado, ou morram!