ética do pensamento

Apesar da imagem edificante que é “não soltar a mão de ninguém”, ela é completamente inócua, como demonstram tantas outras disseminadas “naturalmente” nas redes sociais. Desde o “primeiramente, fora Temer”, passando pelo “Lula ladrão roubou meu coração” e pelo “Dilmãe”, até o “Ele não, ele nunca, ele jamais”. Nenhuma delas deu certo justamente por soarem como campanhas publicitárias movidas pelo mesmo combustível que diziam combater. Em outras palavras, não são verdadeiras resistências, mas manipulações vazias.

Resistir não é meramente se opor, não é meramente fazer força contra, não é meramente se plantar no mesmo lugar de direito conquistado, muito menos usar as mesmas armas do que diz combater. Resistir – já disse por aqui – é “libertar uma potência”, pegar uma linha de fuga criativa (não uma linha de força), desenraizar-se, devir-outro – para quem estuda e ensina literatura, essa é a hora da mais radical potência política, por ter a chance de abrir verdadeiros buracos em uma linguagem excessivamente consagrada à comunicabilidade dos últimos anos, comunicação feita à base de lugares comuns publicitários, facilmente manipuláveis desde o topo, desde o poder – comunicação de sentidos encastelados.

Agora é a hora de se pesquisar sentidos novos, insuspeitos e impensáveis. Ficar de olho numa comunidade que vem, numa democracia por vir, nas singularidades que se insinuam incapturáveis. E isso só se faz pelo pensamento atento, naquilo que se realiza enquanto língua, na língua, pela língua. Uma nova e aprofundada esquerda, aquela que faz jus à posição de esquerda, deve perceber que é hora de interromper patrulhamentos, acusações policialescas, rancores vingativos, zombarias hipócritas, xingamentos elitistas (“pobre de direita é burro”), moralismos ocos, raciocínios toscos, superioridades autoproclamadas. Pois tudo isso é justamente o que a faz irmã siamesa dos que subiram ao poder em outubro – por mais que a esquerda se negue a assumir isso. Aliás, os que conquistaram agora o poder, o conseguiram por fazer das redes sociais seu porto natural de ação – que também é onde a esquerda age exatamente da mesma forma: comunicação direcionada, patrulhamentos, rancores vingativos, acusações apressadas, zombarias hipócritas, moralismos ocos, raciocínios toscos e superioridades autoproclamadas.