Tenho 47 anos, mas sempre me senti mais jovem do que sou, por uma série de questões que não veem ao caso aqui. O fato é que nos últimos anos passei rapidamente a me sentir envelhecido, e sob certo ângulo tenho achado muito bom, pois me permite falar dos mais jovens, não como mais autorizado ou algo que o valha, mas como alguém que não mais o é e se preocupa com eles – dentre os quais está um filho meu e a maioria dos meus alunos.
Não me espanto com discursos de grupelhos que circulam mais ou menos à vista pelas redes sociais – às vezes como trolls, às vezes como lobos solitários verbais. Espanto-me, sim, com professores que tratam de colocar mais gasolina na fogueira aberta que é o Brasil, como se desconhecessem que cresce de modo exponencial entre os mais jovens o número de depressões, automutilações e suicídios. Pois uma coisa é um discurso de desespero vindo de um solitário qualquer em uma rede social, outra coisa é o desespero no discurso de um professor, muitas vezes claramente descontrolado, mas também outras vezes intencionalmente extremado.
Todos conhecemos alguém que perdeu um parente por suicídio. Todo professor conhece alguns ex-alunos que se mataram nos últimos anos. E afirmo, sem medo de errar, que muitos dos meus colegas professores que lutam politicamente nas redes por causas das mais justas e dignas, fazem-no por meios muito perniciosos para os mais jovens. Não apenas pelo excesso de raiva e conflagração, mas por esse excesso vir à reboque de uma avassaladora cultura de des-informações, imagens, cortes, colagens, ruídos, borrões e edições em uma velocidade acachapante. E acachapados se tornam, então, os mais jovens. Há algo de violentamente perverso nisso, algo de muito pouco sábio – aquela sabedoria que qualquer aluno espera de seu professor.
É um erro – quando não desonesta premeditação – culpar o “sistema” pela depressão, automutilação ou suicídio dos mais jovens, como se não se estivesse disputando discursivamente o sistema nessa avalanche de impropérios e medo derramados nas redes sociais. Em nome da urgência política e de uma vaidade pessoal por ter sua postagem compartilhada, joga-se os mais frágeis à fogueira, bodes expiatórios que depois serão erguidos como trunfos para ainda mais insensatez. Pois é disso que se trata: a perda de bom senso nas diferenças no espaço público tem feito nossos jovens se deprimirem, mutilando-se, quando não se matando. E não só os jovens.
Penso que hoje, cada vez mais, a um professor não pode faltar a sabedoria que ele, em sala de aula, deveria encarnar. Por isso, tenho repetido para mim mesmo, como um mantra, que a hora é de pensar diferente, a hora é de um pensamento diferente, um pensamento outro, pois o que está aí circulando não difere em nada do que sempre circulou no espaço público – e nos trouxe até aqui, a este precipício. É hora de se avançar na potência de um pensamento outro, pois é somente aí que se pode encontrar uma vida outra. Podemos repetir palavras já ditas, mas não podemos repetir pensamentos já pensados. É justo aí que pensamento e vida se encontram, nessa irrepetibilidade, nesse devir, nessa energia que não se fixa pela repetição verbal de refrões políticos, moralistas e terroristas. E isso, a sala de aula ensina aos professores.
Mas quando o terrorismo ganha os discursos do espaço público, é quando o fascismo mais íntimo que possuímos ganha nossos pensamento e nossas vidas flertam com a morte. E não apenas aquele fascismo oficial, típico das instâncias de poder, enunciado desesperada ou maquiavelicamente. Discursos assertivos, performances sacrificiais e rituais de sangue são típicos discursos de sociedades fascistas, mesmo entre os que não estão no poder. Nossos jovens têm se tornado vítimas de um fascismo que percorre não apenas os donos do poder, mas os donos da insensatez discursiva. E o que temos visto crescer às nossas vistas são esses discursos, performances e rituais – fascismos fascinantes, mesmo que não assumam esse nome. E como professor, preocupo-me com alguns colegas que percebo incapazes de pensar (e portanto de afirmar a vida para além de tudo) e cedendo à tentação de reproduzir uma lógica de morte que não deveria estar em suas mãos e suas bocas.
P.S.: que há um evidente jogo pelo poder político na enorme maioria dos discursos de desespero que circulam (como também havia antes, nos governos anteriores), só ingênuos não veem, mas colocar a vida (dos outros, principalmente) em jogo, ao invés de colocar o poder político em jogo, é ocupar o mesmo lugar de uma tanatopolítica que muitos dizem combater. É contra isso que a potência do pensamento e da vida se coloca.